A iniciativa do evento foi da vereadora Iara Bernardi (PT) com a vereadora Fernanda Garcia (PSOL) e ampla participação de entidade de mulheres
O funcionamento da Rede de Proteção às Mulheres em Sorocaba, prevista na Lei Maria da Penha e composta de vários órgãos judiciais, policiais e assistenciais, entre outros, foi tema da audiência pública realizada pela Câmara Municipal de Sorocaba na noite de quarta-feira, 20, por iniciativa da vereadora Iara Bernardi (PT), que dividiu a mesa dos trabalhos com a vereadora Fernanda Garcia (PSOL); a coordenadora de Saúde Mental, Eline Araújo Vitor, representando o secretário de Saúde, Cláudio Pompeo; Débora Vieira dos Santos, enfermeira do Conjunto Hospital de Sorocaba; e o inspetor Benedito da Silva Zanin, representando o comandante geral Davi Dutra, da Guarda Civil Municipal.
Na mesa estendida, estiveram presentes representantes de várias entidades, como a Santa Casa de Misericórdia; UPA do Éden; UPA da Zona Leste; Sim Mulher; Sindrefeições; Politize Formação Cidadã; Frente Nacional de Luta; Ação da Mulher Trabalhista; Coletivo de Mulheres Barraqueiras; Sinsaúde; Conselho Municipal de Saúde; Comitê Popular da Mulher de Luta; Comissão Pró-Associação Cultural do Carandá; Sindicato dos Vestuários; Canal Empoderando Mulheres; Conseg Zona Norte; Conselho Municipal da Comunidade Negra; Gepaso; Rede Sustentabilidade; Momunes; PLP; Conselho Regional de Psicologia; ex-vereadora Tânia Bacelli, do Instituto Pleno Cidadania; e ex-prefeita Jaqueline Coutinho.
Prevista na Lei Maria da Penha, a Rede de Proteção à Mulher compõe-se de diversas instituições, como as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher; os Juizados e Varas especializadas; as Coordenadorias de Violência contra a Mulher; as Casas-Abrigo; a Casa da Mulher Brasileira; os Centros de Referência de Atendimento à Mulher; os órgãos da Defensoria Pública; e os serviços de saúde especializados para atendimento à mulher nos casos de violência, entre outros órgãos.
Vítimas de feminicídio – “Eu gostaria de comemorar o Oito de Março com outros temas que não fosse a violência contra a mulher, mas, infelizmente, esse é um tema que temos que debater o ano todo, se possível com políticas públicas”, afirmou Iara Bernardi, que lembrou as conquistas do movimento feminista em Sorocaba, que, segundo ela, “é uma cidade privilegiada” no sentido de ter sido pioneira na implementação das instituições que compõem a Rede de Proteção à Mulher, como o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, que foi o primeiro do interior Paulista. “Só falta em Sorocaba a Casa da Mulher Brasileira, que é a estrutura que o Ministério da Mulher hoje defende para atender regionalmente uma cidade como a nossa e seu entorno”, acrescentou.
A audiência pública contou uma performance da Rede Oito de Março, representando entidades que trabalham com o tema da mulher. O coletivo elencou o nome e a idade de mulheres que foram vítimas fatais de violência doméstica na região de Sorocaba – assassinadas em sua maioria pelos parceiros – e ao final de cada nome uma mulher dizia: “A próxima pode ser eu”. Entre os casos lembrados, havia uma grávida vítima de feminicídio; uma mulher morta pelo próprio pai; outra morta a machadadas pelo marido; uma adolescente assassinada a facadas pelo namorado; e uma mulher e suas duas filhas mortas queimadas pelo marido. As idades das vítimas lembradas na performance variaram de 16 a 73 anos. As mulheres encerraram a performance com Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 14 de março de 2018.
A vereadora Fernanda Garcia (PSOL) observou que a violência contra a mulher que resulta nesses assassinatos também suscita a violência psicológica, “difícil de enxergar”, e que leva as mulheres a sofrerem diariamente, com medo de andar na rua sozinha ou de ser assediada no ônibus, no trabalho, na própria casa. A vereadora também lembrou o nome de Marielle Franco e disse que, a cada 24 horas, oito mulheres são assassinadas no Brasil e que, a cada oito minutos, uma mulher sofre violência sexual. “Então, é algo gritante, que deveria ser tratado com o máximo de cuidado, com o máximo de prioridade, pelos governos. Por isso é importante debater esse tema da violência contra a mulher para que ele não fique no âmbito privado, mas motive uma ação de combate a essa realidade pela sociedade em geral” – enfatizou a vereadora, que pediu um minuto de silêncio pelas mulheres assassinadas.
Fluxo de atendimento – A representante da Secretaria Municipal de Saúde, Eline Araújo Vítor, explicou como funciona o fluxo de atendimento dos vários tipos de violência contra a mulher (física, sexual, psicológica) observando que toda Unidade Básica de Saúde funciona de portas abertas para atender essa mulher e verificar suas necessidades. “É importante que se leve em conta a singularidade de cada caso de violência contra a mulher, porque experiências semelhantes de violência podem gerar reações diferentes entre si. Essa é uma grande dificuldade e, como profissionais de saúde, precisamos sempre reavaliar os nossos protocolos”, afirmou, enfatizando que a Secretaria de Saúde está de portas abertas para fazer o acolhimento das mulheres.
Débora Vieira dos Santos, do Conjunto Hospitalar de Sorocaba, que atende diversos tipos de traumas, contou que o hospital atende os casos de violência sexual desde o ano de 2001, tanto como porta aberta quanto de forma referenciada. A profissional de saúde disse que, até a pandemia de Covid-19, eram atendidos anualmente, em média, 500 casos por ano, mas, depois da pandemia, esse índice caiu para 150 casos por ano, em média. “A diferença é muito grande”, disse, observando que, mesmo quando atendia 500 casos por ano, ainda era um número subnotificado, uma vez que muitos casos de violência sexual não são notificados.
Em relação à violência doméstica que resulta em trauma e são atendidas no hospital, Débora Vieira dos Santos disse que ainda não há dados estruturados até pela dificuldade de se identificar se aquele trauma é decorrente de violência doméstica, pois às vezes a própria vítima não quer falar. Respondendo a questionamentos da vereadora Iara Bernardi (PT), a representante do Conjunto Hospitalar explicou que, nesses casos, os profissionais de saúde levam em conta no prontuário os possíveis indícios de violência doméstica, como prevê a Lei Maria da Penha.
Dados estatísticos – Foram apresentados dados estatísticos dos casos atendidos no Conjunto Hospitalar de Sorocaba: em 2022, 45% dos casos eram de vítimas até 12 anos; de 12 a 17 anos, 23%; e de 18 anos ou mais, 32% dos casos. Em 2023, até 12 anos, foram 39% dos casos; de 12 até 17 anos, 26% dos casos; e maiores de 18 anos, 35% dos casos. “Em todos esses casos, é seguido o protocolo de atendimento de vítimas de violência sexual, que envolve exames de sangue específicos e profilaxia para as doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a oferta da pílula do dia seguinte, que a vítima, se quiser, pode recusar”, explicou Débora Vieira. Esse protocolo, conforme lembrou Iara Bernardi, decorre da “Lei do Minuto Seguinte”, de sua autoria quando deputada federal.
O inspetor Benedito Zanin, da Guarda Civil Municipal, explicou que a Guarda Civil Municipal tem um convênio com o Judiciário para atender os casos de violência doméstica e esse atendimento já se tornou um modelo nacionalmente. Chamado de “Botão do Pânico”, quando foi iniciado em 2018, esse atendimento passou a ser chamado de “Protege Mulher”, que conta, hoje, com 1.209 pessoas assistidas, com medidas protetivas. “Desde o início do programa, já foram 2.516 chamadas e a grande maioria dos homens ficou preso em flagrante pela desobediência da medida protetiva. Em 2024, já atendemos 191 chamadas”, contabilizou Zanin, observando que, inicialmente, os casos eram mais de violência entre casais, mas, hoje, também há muitos casos de filhos agredindo pais, especialmente usuários de drogas.
“No começo muitas mulheres relutavam em acompanhar os patrulheiros até a delegacia para registrar a ocorrência e preferiam ir por meios próprios, mas muitas vezes acabavam agredidas no caminho, pois o agressor estava à espreita. Também estamos muito preocupados com os casos de reconciliação de mulheres com homens de perfil muito agressivo que acabam gerando novos acionamentos do botão do pânico, pois a violência doméstica volta a ocorrer”, disse Zanin, observando que, nesses casos, é feito um relatório para o Judiciário. O inspetor também contou que até os policiais costumam ser agredidos, pois normalmente os homens estão transtornados e determinados a praticar a agressão contra a mulher, o que torna esse tipo de ocorrência muito difícil para as forças policiais.
Demais debatedores – Após a fala dos integrantes da mesa, os demais participantes da audiência pública também puderam fazer questionamentos e debater o assunto. A vereadora Fernanda Garcia apresentou um relatório enviado pelo Cerem (Centro de Referência da Mulher), em resposta a requerimento de sua autoria, uma vez que o órgão, ligado à Coordenadoria da Mulher da Secretaria de Cidadania da Prefeitura de Sorocaba, não enviou representante para a audiência pública. Segundo o balanço enviado pelo Cerem, em 2022 foram realizados 6.783 atendimentos; em 2023, foram 4.561 atendimentos. A questão da violência contra a mulher negra também foi debatida na audiência pública, envolvendo a violência doméstica e a discriminação racial, além da dupla jornada de trabalho das mulheres negras da periferia.
No final da audiência pública, a vereadora Fernanda Garcia defendeu a implementação de um protocolo para atendimento da mulher vítima de violência em toda a rede de proteção e a vereadora Iara Bernardi enfatizou a importância de se identificarem os indícios de violência doméstica, quando não explicitada pela vítima, para que se possa proteger as mulheres e inseri-las numa rede de acolhimento. Quanto a isso, a vereadora agradeceu os representantes da UPH da Zona Leste, da Santa Casa de Misericórdia e da UPA do Éden, que trataram da questão. A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Câmara e pelas redes socais (YouTube e Facebook) da Câmara Municipal de Sorocaba, nas quais pode ser vista na íntegra.