Acrescenta os incisos VI, VII e VIII ao artigo 164 da Lei Orgânica do Município de Sorocaba, e dá outras providências. (Política Econômica)

Promulgação: 12/07/2021
Tipo: Emenda Lei Orgânica

JUSTIFICATIVA


Antes de adentrarmos aos demais pormenores das razões jurídicas, políticas e econômicas que embasam a presente proposta, frisamos que estamos trazendo à LOM, mediante simetria, dispositivos de extrema importância para Sorocaba, absolutamente ausentes em sua expressão textual em nossa norma maior.

Com base no entendimento assentado pelo STF, consolidado no enunciado da Súmula n° 645, entendemos ser plenamente possível a municipalidade trazer ao âmbito local matéria constitucionalmente garantida de defesa ao sistema de livre iniciativa, respeitadas as suas limitações: "é competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial". No mesmo sentido, inúmeros precedentes da Corte, dentre os quais cito: RE-AgR n° 203.358, 2a T., unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29.8.1997; RE n° 174.645, 2a T, unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 17.11.1997; RE n° 237.965, Pleno, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 31.3.2000; RE n° 274.028, 1a T., unânime, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 10.8.2001; RE n° 189.170, 2a T., maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 8.8.2003; AI-AgR n° 481.886, 2a T., unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 1.4.2005.

O Supremo Tribunal Federal, após admitir que o município poderia determinar o horário de funcionamento do comércio local, permitiu que este estabelecesse regras de preservação das condições benéficas de concorrência no mercado, ou seja, entendeu que “a fixação de horário de funcionamento para o comércio dentro da área municipal pode ser feita por lei local, visando o interesse do consumidor e evitando a dominação do mercado por oligopólio” (grifos acrescentados), nos termos do RE-274.028/SP, de 05.06.2001, da lavra do Ministro Moreira Alves, conhecido e unanimemente provido pela 1ª Turma. Admitiu, reitere-se, a competência municipal para legislar sobre direito econômico, mas especificamente sobre direito da concorrência.
Tendo em vista que alguns autores não consideram a proteção à concorrência como parte integrante do direito econômico, posição que se for aceita comprometerá a tese aqui defendida, cumpre esclarecer melhor o enfoque dado ao assunto, a fim de que não surjam controvérsias.

O direito econômico, em face de sua juventude científica, vem sendo conceituado de diversas maneiras, consoante se enxerga seu campo de abrangência ou os objetivos a que visa alcançar. Aqui, essa disciplina será entendida tal como o fez Luís S. de Cabral Moncada, uma vez que sua teoria é a que melhor condiz aos propósitos buscados. De acordo com o autor português, “o direito econômico afirma-se fundamentalmente como o direito público que tem por objetivo o estudo das relações entre os entes públicos e os sujeitos privados, na perspectiva da intervenção do Estado na vida econômica. (...) O termo deve ser visto em sentido amplo. (...) O cerne do direito econômico passa a ser constituído por normas jurídicas de direito público. Aquele passa a configurar-se como direito público da economia”.

Levando-se em consideração essa premissa, isto é, a de que o critério que identifica este ramo do direito é a intervenção do Estado no domínio econômico, as normas que objetam a proteção à concorrência se enquadram em seu âmbito, porquanto se convertem em modalidade de interferência estatal, cujo escopo é viabilizar uma dada política econômica - a chamada “concorrência instrumento”. Mas a preservação da livre concorrência é mais que um instrumento de política econômica. É um dos princípios norteadores da ordem constitucional econômica, como indica o art. 174, IV, c/c o 173, § 4º, segundo o qual “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Logo, as regras da concorrência servem à organização do mercado, inclusive o municipal, pressupondo-se que do seu livre funcionamento nascem as melhores condições de acesso tanto para a oferta quanto para a procura, quer dizer, “ao Governo Municipal, nos limites de sua competência legislativa e administrativa, cumpre não apenas garantir a oferta da mercadoria ao consumidor, mas, indiretamente, disciplinar a atividade comercial (...)”, conforme assevera o Relator Maurício Corrêa no RE-174.645-9/SP, provido por unanimidade pela 2ª Turma, em 17.11.1997, impetrado por Raia e Cia. Ltda contra lei e respectivo Decreto Municipal de nº 28.058/89, ambos do Município de São Paulo, que impediram sua abertura por não estar escalada para o cumprimento do plantão obrigatório.

Para tanto, deve combater as posições dominantes, entendidas como as que controlam parte significativa ou apreciável do mercado, aptas a permitir ao empresário exercer influência negativa naquele. Como o § 3º do art. 173 falou genericamente em “lei”, pode uma lei municipal, como a de nº 8.794/78 do Município de São Paulo.

Convém, agora, passar a uma análise sistemática do papel do município à luz da ordem econômica expressa no capítulo I do título VII da Carta Magna, tomando como ponto de partida a ressalva contida no voto do Ministro Relator Marco Aurélio no julgamento do RE-267.161-4/SP, não conhecido pela 2ª Turma do STF em 17.04.2001, quando também foi apreciada a fixação de horários de estabelecimentos comerciais, industriais e similares pela norma municipal supramencionada. Segundo sua percepção:

“No mérito, tem-se que o que decidido conflita com a liberdade de atuação assegurada constitucionalmente, implicando até mesmo, quanto àquelas farmácias indicadas para funcionar em plantão, verdadeira reserva de mercado, tem-se o prejuízo, com a norma aludida, do próprio consumidor. Poderia a Municipalidade impor funcionamento de farmácias e drogarias, mas jamais proibir que algumas delas abrissem em certos dias. (...) Nem se diga que a seleção de farmácias e a obrigatoriedade de abrirem em feriados, decorrem, necessariamente, de uma certa reserva de mercado no que, sem dúvida alguma, é estimulante. De duas uma: ou a administração, em prol do interesse coletivo na área de saúde, pode compelir ao funcionamento, distribuindo o sacrifício de abrir em certo dia no qual normalmente isso não ocorreria, ou não pode e, aí, neste caso, a recíproca teria que ser observada, ou seja, à administração não caberia proibir a abertura!”.

E segue tecendo considerações sobre os novos ares adquiridos (princípios) pela Carta Federal, que teriam sido ignorados pela corte de origem, lembrando também que o planejamento econômico do Estado (gênero) é apenas indicativo para o setor privado. Como visto, a Corte a que pertence o Ministro não compartilha da opinião por ele exposta quanto ao mérito do caso em questão.

Realmente, a Constituição garantiu a liberdade de iniciativa no art. 170. Todavia, não é um princípio absoluto, mas, apenas, um dos princípios diretores da atividade econômica. Ela somente será legítima quando exercida de acordo com os ditames da justiça social, fundamento da ordem econômica, e na medida em que não impeça a observância dos demais valores ali previstos, dentre eles, a função social da propriedade, a livre concorrência e a defesa do consumidor.

Da liberdade de iniciativa podem, assim, resultar atitudes excludentes, postas em prática pelo agente econômico com o fito de eliminar rivais, para que, então, possa monopolizar segmentos ou atividades. Daí que “a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (...) não pode significar mais do que a liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas pelo mesmo”. 

Destarte, aquela “será ilegítima, quando exercida com o objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário”, como preleciona José Afonso da Silva, cujos ensinamentos foram reproduzidos no voto do Ministro Maurício Corrêa na oportunidade do julgamento do RE-199.517/SP, conhecido e não provido pelo Plenário no dia 04.06.1998. Por esse motivo, ao legislador foi admitida a possibilidade de delimitar o conteúdo do princípio em tela, embora com a ressalva de que as restrições devem respeitar o seu núcleo essencial, de acordo com a melhor expressão do princípio da proporcionalidade.

Por conseguinte, o legislador municipal deve fazer a ponderação entre ditos valores enquanto estiver no seu âmbito de atuação, vale dizer, dentro dos seus limites territoriais, dentro de seu interesse local. Posto isso, deve-se ter em mente o seguinte: foi admitida pelo art. 30, II, a legislação supletiva do município relativamente aos temas de competência concorrente dispostos no art. 24, o que torna viável que ele legisle sobre responsabilidade por dano ao consumidor (inc. VIII) e sobre a imposição de sanções administrativas, decorrentes do seu poder de polícia, quando produzidos possíveis danos àquele bem difuso.

O que se veda ao Município, portanto, é a limitação extrema da atividade econômica lícita ou não defesa em lei, o que, certamente, violaria o preceito constitucional da livre iniciativa, bem como, deixar de cumprir com regramentos instituídos dentro da competência dos demais entes federados. 

Nenhuma destas hipóteses, corretamente combatidas, estão sendo trazidas nesta proposta.

Assim, adentrando nos pormenores teóricos, muitos filósofos contribuíram para que o movimento pela liberdade ganhasse maiores proporções entre a população ao longo dos tempos. A luta contra os tiranos com poderes sem limites matou muitas pessoas e foi um alto preço para colocar um freio ao poder total e concentrado. A história da humanidade mostra que desde os tempos mais remotos foram criadas leis que regulavam a vida de civilizações, sejam elas escritas como os Dez Mandamentos e o Código de Hamurabi. 

O constitucionalismo quanto ao seu surgimento, nos diz em sentido estrito que se tratou de um movimento que impôs a positivação de direitos fundamentais também chamados de Direitos Humanos, que são direitos inerentes a teoria da dignidade da pessoa humana desenvolvida por Kant, onde o ponto central de seus estudos foi a liberdade e o individualismo e se baseou por sua vez no jusnaturalismo que é a ideia de um conjunto de direitos existentes antes da fundação de qualquer forma de Governo ou Estado, direitos esses como a vida, liberdade e propriedade.

O movimento constitucionalista está atrelado aos acontecimentos do século 18, com caráter jurídico, pois propôs a regulamentação legal com as constituições escritas. É considerado ideológico, pois exprimiu a ideologia liberal, onde o governo seria de leis baseadas na ética, e não dos homens como anteriormente. Social, pois não ficou apenas no campo ideológico, mas instigou o povo a lutar por essa ideologia contra o poder absoluto. Político, pois agiu em defesa de direitos e garantias fundamentais, contra a opressão e o arbítrio. 

O constitucionalismo se opôs ao antigo regime absoluto de poder para propor a divisão desses poderes.

Os indivíduos que influenciaram esse movimento são também as que lideraram as maiores academias do século 17 e 18, a exemplo John Locke, a quem se costuma atribuir a fundação da ideologia iluminista. Ele era também um contratualista e lançou as bases para o liberalismo (influenciando a revolução gloriosa e a formação do parlamentarismo inglês) pela sua defesa dos direitos como a vida, a liberdade, a propriedade e a tolerância religiosa. Para ele o contrato social consistia na garantia dos direitos pelo Estado e na limitação da atuação dos governantes.

Por sua vez o século 18 foi muito influenciado por ideias iluministas e principalmente liberais. Foi o contexto perfeito para tal, pois a população estava castigada pela pobreza, doença e desgoverno de líderes incompetentes que trouxe a ruína do absolutismo na defesa da legalidade do poder total sob uma ótica religiosa. Tais ideias influenciaram inclusive a Revolução Americana. 

A independência dos Estados Unidos baseou-se nas ideias iluministas, além daquelas citadas anteriormente como a participação popular na política, mais precisamente o direito a voto e a elaboração de uma constituição liberal que define a vida do país, mas que não concentra o poder em um só homem e permite a liberdade acima de tudo. 

Aqui já vemos a mais importante relação entre o constitucionalismo e o iluminismo, a positivação das ideias liberais e iluministas, configuradas em direitos fundamentais positivados por um documento que fundaria a vida em sociedade, o modelo de Estado e a forma de Estado. A guerra das Américas (independência Americana) ficou conhecida em toda Europa. Na França não foi diferente, no berço do iluminismo e das ideias de liberdade a vitória americana trouxe mais entusiasmo.

As revoluções ditas liberais como a americana e a francesa trouxeram em seu âmbito as ideias iluministas e essa, por sua vez, deu início ao movimento constitucionalista, como exemplo, podemos destacar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que culminou da Revolução Francesa trazendo em seu artigo 16 o texto “Toda a sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos poderes, não tem constituição”. Essa declaração virou uma das armas do liberalismo contra o absolutismo.

Cumpre saber que o liberalismo é toda uma doutrina baseada na defesa e cultivo das liberdades individuais, políticas, religiosas e intelectuais defendidas inicialmente pelo um dos maiores filósofos do iluminismo John Locke e em seguida por Adam Smith, além de nomes como Immanuel Kant, Frederic Bastiat, John Stuart Mill, Franklin D. Roosevelt, Murray Rothbard, Milton Friedman, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, entre vários outros; vale destacar que aqui no Brasil foi defendida com excelência por Roberto Campos.

Com a declaração dos Direitos do Homem e a constituição americana, foi colocada em pratica as ideias a custo de sangue, de empenho acadêmico e político. O constitucionalismo passou a ser uma técnica jurídica para a tutela das liberdades e para assegurar ao menos as prerrogativas inalienáveis ao ser humano.

Não à toa que a Carta Magna dispõe logo no art. 1º como fundamento da nossa República “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

O art. 170 da CF/88 também nos traz importantes pilares em defesa da liberdade assim dispondo:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

II - propriedade privada;

[...]

IV - livre concorrência;

[...]

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Ocorre que, embora tenhamos na Lex mater da República dispositivos que embasam a livre iniciativa, livre concorrência, propriedade privada e empreendedorismo, a Lei Orgânica Municipal de Sorocaba, responsável por reger nossa cidade, por força do art. 29 da CF/88 e art. 11, parágrafo único, do ADCT, deixa, e muito, a desejar, já que no Título V “Da Ordem Econômica e Social”, apenas embasa aspectos sociais, que implicam num agir do Estado e demais comprometimentos orçamentários.

Ora, para que exista comprometimento orçamentário, deverá ocorrer arrecadação tributária, que por sua vez, decorre da produção de riquezas, que, de uma forma ou de outra, sempre tocará o empreendedorismo, livre iniciativa e livre concorrência.

Ou seja, nobres pares, o social depende diretamente da economia local, que, segundo apresentado, encontra-se absolutamente desprestigiada na norma maior da municipalidade.

Tal, portanto, urge por mudança!

Estamos, aqui, visando proteger o livre jogo das forças do mercado na busca da clientela e defender as estratégicas da iniciativa privada para combater a crise econômica, para incrementar e aquecer as atividades econômicas em Sorocaba.

A liberdade e a produção de riquezas devem ser contempladas em nossa Lei Orgânica, embasando a Magna Carta da República e legitimando a ordem jurídica local em incentivar cada dia mais o empreendedorismo no Município de Sorocaba.