Dispõe sobre a emissão de documentos legíveis por profissionais da saúde no município de Sorocaba e dá outras providências.

Promulgação: 02/05/2018
Tipo: Lei Ordinária

JUSTIFICATIVA:

 

1. Preliminarmente

O presente Projeto de Lei objetiva colaborar com as boas práticas dos profissionais da saúde, resguardando sua vida profissional, bem como a proteção dos direitos dos pacientes. Mais do que isso, objetiva-se a proteção de nosso bem maior: a vida.

Com efeito, foram consideradas várias questões de suma importância que, injustificavelmente, se arrastam por décadas, embora já tenham sido largamente discutidas e legalmente sanadas. Logo, a justificativa reside em criar mecanismos para se aplicar o que já foi determinado como obrigação profissional.

Como veremos, no tocante a legibilidade dos documentos a fundamentação jurídica encontra-se em Leis Federais, Estaduais e Municipais, em especial Códigos de Ética dos profissionais de saúde e em recomendações de seus respectivos Conselhos Federais e Regionais de Classe.

Além das questões da legibilidade dos documentos, discute-se também a obrigatoriedade dos estabelecimentos de saúde públicos prescrevem o princípio ativo dos medicamentos (genérico) e a recomendação desta prática, em relação aos estabelecimentos particulares e profissionais liberais.

 

2. Da ilegibilidade de documentos preenchidos por profissionais de saúde

Não são raros os enganos decorrentes da dificuldade de se compreender a letra do profissional da saúde em prontuários, laudos, atestados, pedidos de exame, prescrições de medicamentos (e orientações de uso), declarações, quer por parte do paciente/consumidor, quer por enfermeiros, farmacêuticos entre outros profissionais.

A importância do tema foi objeto de diversos artigos, dentre os quais podemos citar o de autoria do Conselheiro e Pneumologista Dr. João Ladislau Rosa denominado “Receituários Médicos”.

Destaca que um laudo médico pode desabilitar uma pessoa do exercício de seus direitos civis. Uma receita médica ilegível pode ser aviada de forma equivocada, ser seguida com a posologia errada e tornar realidade o ditado popular: “a diferença entre o medicamento e o veneno é somente a dose”.

O Instituto de Medicina da Academia Nacional das Ciências (IOM) publicou um estudo realizado em 2007 onde se apurou que cerca de sete mil americanos morrem em virtude de interpretações equivocadas de receituários ilegíveis e outro um milhão e meio de pacientes são anualmente afetados pela mesma razão.

No Brasil há poucas estatísticas e acompanhamento sobre o tema, mas sabe-se que a realidade é tão assustadora quanto na medida em que as discussões são intensas e constantes sobre o tema, envolvendo várias classes profissionais, inclusive.

Além da morosidade e insegurança gerada nas tentativas de interpretação dos documentos, a falta de clareza enseja:

- alto risco de geração de dano de difícil ou de impossível reparação no caso do comprometimento da saúde ou morte do paciente;

- animosidade entre os profissionais envolvidos, frise-se: de categorias de classes diversas, comprometendo, assim, o ambiente de trabalho;

- gasto desnecessário de medicamento ou realização de exame errado, comprometendo cofres públicos ou até mesmo orçamento doméstico dos pacientes;

- comprometimento da vida profissional daquele que foi induzido ao erro ao tentar interpretar o documento ilegível causando-lhe dano moral de difícil reparação;

- ações judiciais envolvendo profissionais (responsabilidade subjetiva) e o próprio Município (responsabilidade objetiva), que atravanca ainda mais a Justiça.

 

3. Das disposições legais referentes à obrigatoriedade de letra legível

Por mais incrível que pareça, desde 1932 temos normas tratando da problemática e, de lá para cá, incontáveis leis Estaduais e Municipais foram promulgadas na tentativa de se reverter o negativo quadro.

O Decreto Federal nº 20.931 de 11 de janeiro de 1932, revigorado pelo Decreto de 12 de julho de 1991, em seu artigo 15, alínea “b” determina que um dos deveres dos médicos é “escrever as receitas por extenso, legivelmente, em vernáculo”.

Na mesma linha segue o art. 35, alínea “a” da Lei Federal n.º 5.991 de 17 de dezembro de 1973, em vigor desde 1975:

“Art. 35 - Somente será aviada a receita:

a) que estiver escrita a tinta, em vernáculo, por extenso e de modo legível, observados a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais;”

O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931/09), em seu artigo 11, veda ao médico receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível.

Incontáveis são os pareceres por parte dos Conselhos Regionais de Medicina de diversos Estados brasileiros sobre o assunto. Vejamos o que estabelece o Conselho do Estado de São Paulo:

“RESOLUÇÃO CREMESP Nº 278, DE 23 DE SETEMBRO DE 2015.

CONSIDERANDO que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal;

CONSIDERANDO a importância da prescrição médica no âmbito da relação entre médico e paciente;

CONSIDERANDO que a prescrição médica deve obedecer aos critérios éticos que regem a profissão;

CONSIDERANDO que a prescrição médica de medicamentos é fundamental ao acesso à saúde no âmbito do Sistema Público e Privado;

CONSIDERANDO a Portaria MS nº 971/2012, que regulamenta o Programa Farmácia Popular do Brasil;

CONSIDERANDO que os medicamentos a serem prescritos devem estar liberados para sua utilização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);

CONSIDERANDO, finalmente, o quanto decidido na 4687ª Sessão Plenária de 22 de setembro de 2015.

RESOLVE:

Artigo. 1º. A prescrição médica de medicamentos deve obedecer aos seguintes critérios mínimos: Letra legível ou por meio impresso;

A resolução da Anvisa RDC n.º 67, de 08 de outubro de 2007, autoriza o farmacêutico a avaliar a receita pelos critérios de legibilidade antes de aviá-la, podendo barrá-la pelos riscos que uma interpretação errônea pode causar.

O Código de Ética da Enfermagem estabelece no parágrafo único do artigo 37 que “O profissional de enfermagem poderá recusar-se a executar prescrição medicamentosa e terapêutica em caso de identificação de erro ou ilegibilidade.”

Bem se vê, pois, que o mérito da obrigatoriedade não se discute. A desobediência é ainda mais inaceitável posto que nos dias atuais a tecnologia é farta e acessível. Ainda que inexistisse tal recurso, trata-se de dever profissional expresso em lei escrever de forma legível por se tratar de um documento de interesse sanitário.

 

4. Das disposições legais e benefícios quanto à prescrição dos medicamentos genéricos

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, “Denominação Comum Brasileira (DCB) é a denominação do fármaco ou princípio farmacologicamente ativo aprovada pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária (Lei n.° 9.787/1999).”

Na ausência de DCB deve-se utilizar a Denominação Comum Internacional – DCI, que é o nome oficial não comercial ou genérico de uma substância farmacológica estabelecido pelo Comitê de Nomenclaturas da Organização Mundial da Saúde (OMS) em sua resolução WHA3.11 em 1950.

Medicamentos genéricos são produtos comprovadamente bioequivalentes que só entram no mercado faltando poucos meses para a expiração da patente do original. Logo, não se trata de modismo ou algo passageiro, mas sim uma alternativa importante para a ampliação ao acesso de medicamentos, pois representa para muitas pessoas uma alternativa economicamente mais viável.

De acordo com a Internacional Federation of Pharmaceutical Manufacturers Association (IFPMA), associação composta por produtores de medicamentos do mundo inteiro, a implementação de uma política de medicamentos genéricos depende dos níveis médios dos preços dos medicamentos vigentes em cada País. Onde a indústria farmacêutica pratica preços muito altos, como Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Alemanha, Brasil dentre outros, o mercado de genéricos tende a evoluir cada vez mais.

Vale esclarecer, no que se refere a segurança e confiabilidade, a empresa que deseja produzir um genérico é obrigada a apresentar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um rigoroso projeto.

A Lei Federal n 9.787, de 1999, conhecida como Lei dos Genéricos, foi apoiada desde seu início por Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo – CREMESP e pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo - CRFSP, pois visa beneficiar a população brasileira com o barateamento dos custos dos medicamentos, sem diminuição de qualidade, conforme exposto anteriormente.

O CREMESP tem trabalhado a fim de prevenir falhas éticas causadas pela desinformação. Para tanto deixa claro:

- Não há impedimento legal para se utilizarem medicamentos similares ou genéricos em substituição ao medicamento de referência prescrito por médico, desde que a legislação sanitária da intercambialidade seja cumprida;

- A solicitação de convênios para que se prescrevam medicamentos genéricos ou similares, sempre que houver, desde que estes estejam devidamente autorizados pela Anvisa, tem amparo ético e legal;

- Não há óbice técnico científico para a utilização dos mesmos, vez que há a garantia governamental, por meio da Anvisa, de que o medicamento genérico e/ou similar tenham equivalência farmacológica com o medicamento de referência.

Certo é que, a constituição de uma relação de medicamentos padronizados a ser seguida pelas prescrições emitidas por profissionais de saúde que obedeçam estritamente às normas éticas e legais, é ato administrativo que visa racionalizar recursos, e assim, propiciar a chance de que um maior número de pessoas possa ser atendido de modo adequado.

Indiscutivelmente a liberdade da escolha deve ser única e exclusiva do paciente que, de acordo com sua realidade financeira, poderá optar adquirir medicamento de referência ou genérico, observando as leis sanitárias por meio da atuação do profissional farmacêutico.

Por fim, questão delicada, embora cada vez mais em desuso, é o fato de profissionais da saúde aceitarem vantagens de laboratórios para prescrevem determinados medicamentos, atitude condenada pelo Código de Ética Médica, como também pelas resoluções do Conselho Federal de Medicina.

“Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade.”

A população confia e respeita grandemente as opiniões de tais profissionais. Logo, se alegam que tal marca mostra-se mais eficaz no tratamento da enfermidade, evidente que o paciente irá dar preferência à ela na hora da compra.

Segundo o citado Código é vedado ao médico:

“Art. 40. Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza.

(...)

Art. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza.”

Ademais, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, por meio da Resolução SS-126, de 13 de agosto de 2009, dispõe sobre a obrigatoriedade de prescrição e dispensação de medicamentos com o nome genérico das substâncias que os compõe.

5. Conclusão

Uma Lei na esfera municipal se mostra necessária para reforçar tudo aquilo que já foi feito e para efetivamente dar aplicabilidade as obrigações legais. A informação aos pacientes do dever da legibilidade dos documentos e a prescrição de medicamentos genéricos em muito ajudará a saúde dos nossos munícipes, além da preservação da vida profissional dos envolvidos.

Assim, estando justificado o presente Projeto de Lei, contamos com o apoio dos Nobres Colegas para sua aprovação.