22/11/2021 13h06
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A iniciativa foi da vereadora Iara Bernardi (PT) e o evento contou com a participação de especialistas no assunto

Com o objetivo de debater as políticas públicas de saúde mental em Sorocaba, a Câmara Municipal realizou audiência pública na noite de sexta-feira, 19, com a participação de profissionais de saúde especialistas no assunto. A iniciativa foi da vereadora Iara Bernardi (PT), em parceria com o Flamas, e teve como título: “Política de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas: Desafios do Município de Sorocaba”. Participaram do debate as seguintes autoridades: o psicólogo e psicanalista Lucio Costa, a psicóloga Tamiris Gomes Mazzeto, o psicólogo Marco Pereira e a enfermeira Regina Cardoso, que tem especialização em Saúde Coletiva. 

Também participaram da audiência, na mesa estendida, as seguintes autoridades: Rogério Luís, do Flamas; Joyce Bueno, do CAPS Viver em Liberdade; Antônio Ferraz; Thaís Moçambique, Pedro Moçambique, ex-vereador Izídio de Brito (PT), representante do Sindicato dos Metalúrgicos, e a defensora pública Carolina Gomes Duarte. A assessora parlamentar Bruna Santos representou a vereadora Fernanda Garcia (PSOL). A audiência foi realizada em parceria com o Flamas (Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba).

Iara Bernardi criticou a apresentação, por parte da Prefeitura Municipal, em parceria com o Governo Federal, de uma política sobre drogas para o município. “Minha preocupação é porque essa política sobre drogas foi apresentada, mas, na apresentação desse programa, não vi nenhum especialista sobre o assunto”, afirmou a vereadora, criticando também a aprovação pela Câmara Municipal de um projeto sobre o mesmo tema, sem que, segundo ela, tenha ocorrido uma audiência pública sobre o assunto.

O psicólogo Lúcio Costa disse que há um projeto nacional sobre saúde mental e políticas sobre drogas que, no seu entender, representa um retrocesso, por não ter como “eixo central a produção de cidadania”. O psicólogo retomou aspectos históricos da saúde mental, observando que, a partir da década de 90, com a Declaração de Caracas, é que se colocou um freio nos “poderes absolutos da psiquiatria” passando a se levar em conta os direitos dos pacientes no âmbito da saúde mental. 

Lúcio Costa lembrou que, na década de 80, havia cerca de mil de 100 mil leitos de psiquiatria e, hoje, são cerca de 13 mil leitos. “Ao contrário das demais especialidades, fechamento de leitos psiquiátricos não significa desassistência, pelo contrário, significa que aquele recurso será empregado numa rede comunitária de saúde. Sorocaba é prova viva disso. Fecharam-se os hospitais psiquiátricos da região e criou-se uma Rede de Atenção Psicossocial. Mas está havendo um desmonte dessa rede, que se iniciou em 2015”, afirmou, criticando também a política da Prefeitura sobre o assunto, por não apresentar dados científicos sobre o problema e por falar em busca ativa e internação involuntária de usuários de drogas, “priorizando um projeto econômico em detrimento de um projeto de cuidado”.

A enfermeira Regina Cardoso, especialista em Saúde Coletiva, também enfatizou que está ocorrendo um desmonte da política de saúde mental voltada para o cuidado e não para o lucro econômico, que, segundo observou, começou a ser construída em 2001, perdurando até 2015, quando começou a ser desmontada. Enfatizou que a política de saúde mental não pode ser dissociada das questões sociais, como diferenças econômicas, espaços territoriais, inserção social e o “racismo estrutural”, entre outras questões. Segundo ela, o racismo estrutural permeia toda a sociedade, inclusive a saúde mental. “Por isso, precisamos não só de psiquiatra, mas de uma equipe multiprofissional na saúde mental”, enfatizou.

O psicólogo Marco Pereira, mestre em Educação, Comunidade e Movimentos Sociais pela UFSCar, discorreu sobre a questão do racismo estrutural, lembrando que os hospitais psiquiátricos tinham um contingente imenso de pessoas negras, que eram majoritárias nessas instituições. Lembrando a importância da história também para a psicologia, Pereira observou que o racismo estrutural foi forjado por cerca de 350 anos de escravidão, em que os negros eram separados de suas famílias e raízes, eram cristianizados à força e, com a Abolição em 1888, não contaram com nenhuma política pública de inclusão social, sendo substituídos pela mão-de-obra dos imigrantes brancos europeus. 

“O racismo estrutural naturaliza essa desigualdade”, observou, discorrendo sobre os impactos dessa situação desfavorável ao negro na formação da própria subjetividade das crianças, o que pode levar ao adoecimento do indivíduo. “Tenho cinco anos de graduação em psicologia, dois anos de mestrado e, em nenhum momento trabalhei com um texto que tratasse minimamente essas questões. Os serviços de saúde precisam levar em conta essas questões. Precisamos pensar na clínica daquilo que não é dito. Quando a gente nomeia as coisas, elas passam a ter um sentido, mas a prática da saúde mental também vive esse silêncio sobre o racismo estrutural”, observou, enfatizando que discutir o racismo é um dever de toda a sociedade.

A psicóloga Tamiris Mazzeto, que realizou visitas na rede de atenção psicossocial, juntamente com a vereadora Fernanda Garcia (PSOL), sobre a qual será feito um relatório, afirmou que “o manicômio, como instituição total, é sustentáculo da sociedade autoritária que exterminam as diferenças”. Para ela, afirmar que o aumento da população de rua se deve ao fim dos hospitais psiquiátricos é uma “afirmação perversa”, que desconsidera a fome e as desigualdades sociais. Observou, ainda, que a internação em hospitais psiquiátricos é uma solução simplista, que tende a desconsiderar as diferenças, uma vez que a internação tende a ser ainda mais prejudicial para as mulheres, que sofrem abusos e perdem o convívio com seus bebês. Para ela, a política do Governo Federal de ampliação de vagas em comunidades terapêuticas faz parte de “um cenário de retrocesso, em que ocorre uma ampliação do autoritarismo político-religioso”. Também observou que, no campo da saúde mental, os vínculos são essenciais, mas, com a precarização dos serviços e a rotatividade de profissionais, esses vínculos são fragilizados.

Thais Lopes, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, destacou a importância de se ter uma política de saúde mental para a infância e adolescência, e a defensora pública Carolina Gomes Duarte enfatizou que é fundamental manter e fortalecer a rede de saúde mental através dos Centros de Atenção Psicossocial, inclusive os consultórios de rua. O ex-vereador Izídio de Brito, do Sindicato dos Metalúrgicos, também se pronunciou sobre a questão, enfatizando que há uma política deliberada de desmonte da política de saúde mental. A assessora parlamentar Bruna Santos, representando a vereadora Fernanda Garcia (PSOL), fez um relato da vistoria que o mandato da parlamentar, juntamente com entidades, realizou na rede de saúde mental, descrevendo os problemas encontrados.

A audiência pública contou também com a participação de usuários, educadores e trabalhadores dos Centros de Atenção Psicossocial, que deram depoimentos sobre sua experiência com o serviço. Uma das usuárias, que é negra, disse que ficou muito feliz quando foi atendida por uma psicóloga negra, o que ocorreu no CAPS Viver em Liberdade, e lamentou as dificuldades que o CAPS enfrenta atualmente. A audiência foi transmitida ao vivo pela TV Câmara e pode ser vista na íntegra nas redes sociais.