15/10/2021 09h51
atualizado em: 15/10/2021 09h54
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A audiência, por iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (PSOL), contou com líderes sindicais e profissionais de saúde

A terceirização dos serviços de saúde e os problemas por ela acarretados no atendimento à população foi tema de audiência pública da Câmara Municipal de Sorocaba, realizada na noite de quinta-feira, 14. Promovida e presidida pela vereadora Fernanda Garcia (PSOL), a mesa dos trabalhos também contou com a presença das seguintes autoridades: o médico anestesiologista Victor Vilela Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo; a advogada Thaís Lopes, integrante do Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas); Milton Sanches, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Sorocaba e Região (Sinsaúde); e o advogado e engenheiro Marco Antonio de Moraes, militante do Fórum Popular de Saúde.

No início dos trabalhos, a vereadora Fernanda Garcia lembrou os cerca de 600 mil mortos pela Covid-19, externando sua solidariedade com seus familiares e amigos, e ressaltou o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) nos cuidados com a doença, como a vacinação, alertando para os riscos que o sistema corre com o processo de terceirização. “A terceirização vem com nomes como ‘gestão compartilhada’ e ‘parceria público-privada’, como se fosse algo positivo para a sociedade, mas não sabemos que não é. Defendemos o fortalecimento do serviço público, com a valorização do servidor, com concurso público e plano de carreira, e a valorização do paciente, do cidadão”, afirmou a vereadora.

O vereador Prof. Salatiel Hergesel (PDT), também presente à audiência pública, disse que a luta contra a terceirização é árdua e ainda tem um longo caminho pela frente. “Em cada dez casos de terceirização, oito ou nove apresentam envolvimento com a corrupção, que beneficia políticos corruptos, grandes empresários e, acreditem, também sustenta o tráfico de drogas. É uma máfia que tem políticos, empresários e o crime organizado envolvidos”, afirmou o vereador, citando reportagens da imprensa que tratam da questão. Também observou que é difícil barrar a terceirização dos serviços de saúde sem o apoio da população, que quer ser atendida e nem sempre consegue compreender os problemas inerentes à terceirização.

“Momento de retrocesso” – O engenheiro e advogado Marco Antonio de Moraes explicou o papel do Fórum Popular de Saúde e disse que o SUS, desde a sua criação, a despeito das conquistas, como a gestão tripartite e o controle social da saúde, também vem sofrendo ataques e retrocessos. “Atualmente, vivemos um momento de retrocesso”, alertou. No seu entender, a lógica financeira coloca as estruturas públicas e os servidores públicos como “vilões” do orçamento, o que prejudica o SUS. “Cerca de 40% do orçamento da União, no ano passado, foi destinado à especulação financeira, enquanto a saúde, nesse mesmo ano, de pandemia, teve apenas 4,26% do orçamento”, comparou.

Para Marco Antonio de Moraes, essa “lógica financista” leva às reformas que promovem privatizações e cortes orçamentários, direcionando recursos da administração para o lucro privado. “Nesse momento, está tramitando no Congresso a PEC 32 que arrasa de vez com o serviço público”, afirma, também classificando como “nefasta”, a reforma administrativa do Governo de São Paulo. Ele criticou a figura jurídica das Organizações Sociais, que, no seu entender é “quase um fantasma, pois não necessita de patrimônio nem de endereço, mas pode pleitear contratos públicos”. E disse que a terceirização dificulta o controle social, o planejamento e o trabalho de fiscalização da saúde.

Com base em dados coletados no Portal da Transparência da Prefeitura de Sorocaba, Marco Antônio de Moraes apresentou dados que mostram uma redução no número de profissionais da saúde: “Em janeiro de 2014, a Prefeitura tinha 621 médicos; em setembro agora, tem 386, quase 40% a menos”. Também apresentou dados que mostram queda no número de profissionais de outras carreiras, comparando janeiro de 2016 com setembro de 2021: auxiliares de enfermagem caíram de 180 para 94; técnicos de enfermagem, de 604 para 515; enfermeiros, de 224 para 197; cirurgiões-dentistas, de 164 para 114; agentes comunitários, de 232 para 158. “É uma política muito clara de sucateamento do serviço público”, enfatizou.

Casos concretos – “Quando ouço falar em terceirização, sinto um arrepio. Terceirização é a exploração da mão de obra do trabalhador. Digo isso sem medo de errar”, afirmou Milton Sanches, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Sorocaba e Região (Sinsaúde), enumerando problemas de diversas empresas que atuaram de forma terceirizada na saúde municipal. Contou que, em junho deste ano, quando o Instituto Diretrizes deixou a gestão da UPH da Zona Oeste, sendo substituído pelo Instituto Soleil, os trabalhadores foram abandonados, “sem saber o que fazer, sem saber quem era seu patrão e prestes a abandonar o trabalho”. Segundo ele, havia onze pacientes intubados e sua intervenção não foi apenas em defesa dos trabalhadores, mas para salvar vidas. “Três meses depois, a Soleil foi substituída pelo Instituto Prius. Veja a situação do trabalhador: ele trabalha três meses com uma empresa, três com outra, não tem férias”, observa.

A advogada Thaís Lopes, do Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba, disse que a terceirização também afeta a saúde mental da população, uma vez que os usuários dos serviços de saúde mental necessitam criar e fortalecer vínculos com os profissionais e outros usuários, o que se torna difícil, na medida em que a terceirização provoca constantes mudanças. Para ela, a saúde mental ainda trabalha numa “lógica manicomial” e criticou a proposta de se investir num hospital de campanha para internação de pessoas que fazem uso de droga, o que, no seu entender, é uma forma de manicômio. Também afirmou que a terceirização prejudica os usuários do serviço e disse que nem o próprio Estado brasileiro dispõe de muitos dados sobre a terceirização. “Os dados existentes acabam surgindo do próprio movimento social”, observa.

Eficiência questionada – O presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Victor Vilela Dourado, disse que os defensores da terceirização alegam que ela propicia flexibilidade para os gestores e para os próprios profissionais médicos, que teriam a oportunidade de escolher entre variados empregos. Todavia, o sindicalista acredita que a flexibilização é uma porta de entrada para a “pejotização” (a transformação do trabalhador de empregado celetista em pessoa jurídica) e acaba facilitando a dispensa unilateral dos trabalhadores por parte das empresas. “Quando as médicas ficam grávidas, por exemplo, elas simplesmente são dispensadas, sem direito à licença-maternidade”, observa. Também disse que muitos profissionais de saúde sofrem calote das empresas, citando o caso de um município paulista em que os médicos de uma empresa terceirizada estão sem receber desde junho.

Para Victor Dourado, outro argumento em favor da terceirização é a “economia de custos”, mas enfatizou que ela é feita às custas dos trabalhadores, que não têm nenhum direito trabalhista, citando como exemplo os médicos que atuaram nos hospitais de campanha, em São Paulo: “Se o médico adoecia com Covid-19, por estar na linha de frente, ele era demitido e abandonado à própria sorte”. Também disse que a flexibilização na compra de matérias por parte das organizações sociais, sem os mesmos controles dos gastos públicos, acaba se tornando uma “alameda para a corrupção”, uma vez que, no seu entender, o próprio modelo favorece a criação de “um aparato de distribuição dos recursos públicos para correligionários políticos”.

Por fim, o sindicalista questionou a “suposta eficiência” do serviço terceirizado, que é medido por produtividade, por meio de parâmetros quantitativos e não qualitativos, como o aumento do número de consultas e procedimentos por médico e o menor tempo de internação do paciente, sem levar em conta o impacto dessa maior produtividade na qualidade do atendimento. “Vários estudos mostram que os contratos de terceirização com as organizações sociais acabam saindo mais caros, seja através dos aditivos ou dos processos judiciais”, disse, acrescentando que os contratos precários levam ao rodízio constante de profissionais e resulta na redução do seu número, impactando negativamente o atendimento à saúde da população. “Se a população, os trabalhadores e o próprio poder público são prejudicados, por que só crescem a terceirização e o número de organizações sociais?” – indagou.

Após a exposição dos componentes da mesa principal, a participação foi aberta aos componentes da mesa estendida, entre eles, o médico Eduardo Vieira, presidente do Sindicato dos Médicos de Sorocaba, que classificou a terceirização como uma espécie de “tsunami”, que contribui para desvirtuar a própria medicina. Outros profissionais de saúde também denunciaram a precarização dos serviços de saúde motivados pela terceirização. A audiência pública contou, ainda, com várias participações de pessoas que enviaram mensagens parabenizando a vereadora Fernanda Garcia pelo debate do tema, entre outros questionamentos. A vereadora, na conclusão dos trabalhos, disse que uma comissão de representantes das entidades presentes irá realizar visitas de fiscalização às unidades de saúde terceirizadas. O vídeo com a íntegra da audiência pública, que foi transmitida ao vivo pela TV Câmara, está disponível nas redes sociais.